COP-26: Empresários defendem que Brasil faça concessões para destravar mercado de carbono

19-10-2021 | Energia, Notícias

Grupo reunido no Cebds afirma que regulamentação pode trazer ganhos anuais de até US$ 72 bilhões para o Brasil em 2030

Um grupo de empresários brasileiros defende que o governo faça concessões na COP-26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, para destravar a negociação das regras do mercado de carbono.

Esse mecanismo, que permitiria aos países comercializarem compromissos de redução de emissões de CO, contém um potencial de ganhos líquidos para o Brasil que podem ficar entre US$ 16 bilhões e US$ 72 bilhões anuais em 2030, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

Os valores, que constam de uma nota técnica produzida por analistas do grupo, são uma previsão originalmente feita pela Associação Internacional de Comércio de Emissões (Ieta, pela sigla em inglês) e pelo Fundo de Defesa Ambiental (EDF, em inglês).

O Cebds, que reúne mais de 70 grupos empresariais abarcando 45% do PIB do país, pede que o governo mude a posição mantida desde 2019.

Naquele ano, em Madri, o governo brasileiro defendeu que a comercialização de créditos de carbono seja contabilizada também pelo país vendedor, sem que haja ajustes. Isso, na prática, não reduziria as emissões globais.

A nota técnica do conselho trata do Artigo 6 do Acordo de Paris, que versa sobre mercados de carbono e comércio de emissões, ainda pendente de regulamentação. O posicionamento do Cebds, publicado ontem pelo jornal Valor Econômico, é o de que o Brasil desista de insistir em uma regra específica que o favoreceria nessas transações.

Perda de atratividade

Segundo a nota técnica do Cebds, não faz sentido o Brasil adotar uma postura rígida no tema, porque o país tem “lastro” para acomodar os ajustes correspondentes e a NDC (sigla em inglês para promessa de cortes de emissão do país) pode ter um excedente.

Segundo Marina Grossi, presidente do Cebds, a intransigência atual do país desconsidera os mecanismos de oferta e demanda:

— Não vamos brigar por isso, porque temos muito mais a ganhar nessa história com o Artigo 6 passando do que se a gente continuar a bater o pé — afirmou.

Ela complementa:

— Uma transação não traz vantagem para um país que pode compensar parte de sua emissão dentro de outro país se você diminui o compromisso total dentro do Acordo de Paris. Você deixa de ser atrativo.

Governo apoia, mas não fechou posição, diz chanceler

O governo brasileiro, por sua vez, apoia a regulamentação do Artigo 6, mas ainda não tem uma posição fechada sobre o tema. Essa postura foi transmitida pelo chanceler Carlos França aos membros do Cebds, em videoconferência.

Ele afirmou que o Brasil manterá seu “engajamento tradicional” nas discussões, a fim de construir consensos para o enfrentamento conjunto do aquecimento global.

Na reunião, França disse entender que o setor privado tem interesses econômicos concretos no tema e quer participar do mercado. O chanceler salientou querer um acordo benéfico para o Brasil e disse estar otimista quanto a um resultado positivo.

Para a presidente do Conselho de CEOs da Câmara de Comércio Internacional no Brasil (ICC Brasil), Tania Consentino, o Brasil tem grande potencial no mercado de carbono.

— O desenvolvimento sustentável da região da Amazônia e a riqueza da biodiversidade são um ativo do país, podemos monetizar isso de forma sustentável. Se você trabalhar o mercado de carbono, isso pode trazer divisas para o Brasil — disse Tania, que é também CEO da Microsoft Brasil.

O ICC e o Cebds têm realizado encontros com o governo nos quais, segundo Tania, são apresentadas sugestões sobre como contabilizar os créditos de carbono. Ela avalia que é importante a participação do setor privado para “articular o máximo possível antes da COP-26” e, assim, a proposta do Brasil chegar “um pouco mais estruturada”.

Entendimento favorável

O governo tem a convicção de que os debates vão além da negociação propriamente dita. Uma autoridade brasileira envolvida no assunto disse que é preciso chegar a um entendimento favorável tanto ao Brasil como aos demais países.

Um interlocutor do governo enfatizou que o Artigo 6 se origina de uma ideia conjunta de Brasil e União Europeia, que resultou no Acordo de Paris.

Essa fonte lembrou que o Brasil recebeu, durante algum tempo, certificados de créditos de redução de emissões por conta do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kioto. E o que se discute, hoje, é como substituir esse mecanismo.

A solução ainda precisa ser compatível com a legislação de cada país e favorecer a redução das emissões. Assim, quem poupou mais do que o definido no âmbito do Acordo de Paris, disse a fonte, “pode repassar o ganho adicional para outros países ou outros mercados que não apresentaram resultados consistentes.”

Posição do Brasil travou negociações

As transações de crédito de carbono, que podem ser feitas entre países ou entre empresas, funcionam basicamente como um mecanismo de compensação para evitar emissões de gases causadores do efeito estufa.

O país que compra o crédito ganha direito a emitir um pouco mais de CO. O país que vende assume o compromisso de evitar a emissão de um volume semelhante. O mercado em si não provoca a redução de emissões globais, mas torna a tarefa mais fácil.

Na proposta atual do Artigo 6 do Acordo de Paris, tratado discutido durante a COP-21, em 2015, os países que vendem projetos específicos de cortes de emissão não poderiam mais incluí-los na contabilidade de suas promessas nacionais de redução do CO.

Essa limitação existe para que, somadas as promessas de todo o planeta, o Acordo de Paris chegue mais perto de sua meta de cortar emissões para impedir um aquecimento acima de 1,5°C.

Desde 2019, porém, o Brasil se colocou contra essa regra. Como o país já possui uma meta de corte de emissões em termos absolutos, diplomatas brasileiros alegam que fazer os chamados “ajustes correspondentes” para ampliar essa meta não seria justo.

Outros países, respaldados por cientistas e ONGs ligadas ao meio ambiente, criticam a posição brasileira, que travou as negociações, que deveriam chegar ao fim na COP-26.

Ao não fazer os ajustes na meta de países “vendedores” de créditos de carbono, dizem, um mercado de carbono comprometeria a força do Acordo de Paris.

Fonte: O Globo

Foto: Divulgação

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