Os segredos de negociação dos CEOs

5-09-2024 | Notícias

Uma negociação bem conduzida pode selar o destino de uma empresa, o início de um relacionamento proveitoso de trabalho ou uma parceria de negócios capaz de render resultados por anos. Executivos da alta gestão e especialistas em acordos acreditam que uma combinação satisfatória deve levar à mesa ingredientes como transparência, empatia e flexibilidade para encontrar soluções criativas.

Conhecer e saber escutar quem está “do outro lado” ou até garantir concessões que não prejudiquem o objetivo da conversa também podem ajudar a driblar impasses e cravar um final feliz para os envolvidos.

Glauber Correa, CEO do banco digital Agibank, acredita que o segredo para uma boa tratativa reside em três pilares: preparação, empatia e adaptabilidade.

“Preparar-se é essencial, não apenas conhecendo os detalhes técnicos do acordo, mas para entender as motivações do outro”, explica. “A empatia cria um ambiente de confiança mútua e os participantes se sentem valorizados.”

Segundo o executivo, saber se adaptar às situações é crucial. “Negociações envolvem imprevistos. A capacidade de ajustar estratégias em tempo real pode ser a chave do sucesso”, avisa Correa, que guiou a ampliação da rede de lojas físicas do banco de 264 pontos, em 2016, para mais de 900, em 2024. “É fundamental entender as necessidades das partes e encontrar caminhos que viabilizem uma relação ‘ganha-ganha’. Isso vai permitir futuras negociações.”

Correa, na empresa há mais de sete anos e na cadeira de CEO desde 2021, aconselha estabelecer um relacionamento pessoal antes de mergulhar nos detalhes da decisão. “A ação reduz a tensão e abre vias para uma comunicação mais honesta”, justifica. “A transparência constrói confiança e ser flexível demonstra disposição para encontrar alternativas criativas.

“Duas lições importantes que aprendi em processos de negociação foram a importância da escuta ativa e fazer perguntas mais abertas”, continua o gestor. “Ouvir atentamente o parceiro, sem interrupções, proporciona uma compreensão mais clara das demandas”, afirma. “A prática ajuda a fortalecer relacionamentos e resolver conflitos de forma mais eficaz. E fazer questionamentos que incentivam respostas detalhadas pode revelar informações valiosas e perspectivas inéditas.”

Recentemente, o Agibank fechou um acordo de funding com o Citibank Brasil, totalizando até US$ 7,4 bilhões (cerca de R$ 40 bilhões) em linhas de crédito e emissões no mercado de capitais. “O acordo, concluído em julho, é crucial para o nosso crescimento, pois pavimenta o caminho para aumentar a carteira de crédito dos atuais R$ 17,7 bilhões para R$ 100 bilhões, até 2030.”

Ouvidos atentos

A escuta ativa é uma estratégia defendida também por Tatiana Schuchovsky Reichmann, CEO da Ademicon, administradora privada de consórcios. “Quando as pessoas não se colocam na posição de ouvintes acabam perdendo aspectos importantes da negociação”, destaca. É preciso prestar atenção nos detalhes contidos no discurso do parceiro, entender as suas expectativas e só então partir para uma proposta competitiva, ensina. “O grande segredo é ouvir muito mais do que falar.”

É necessário exercitar a compreensão em todos os momentos, pontua a executiva que conduziu em 2021 a fusão entre a Ademilar Consórcio de Investimento Imobiliário, quando era a CEO da empresa, e a administradora de consórcio de veículos pesados Conseg. “Pela minha experiência, os melhores e mais duradouros negócios que vivenciei partiram do princípio da empatia.”

Planejamento à vista

Azizeh Emleh, consultora em desenvolvimento humano e professora de negociação estratégica no Insper, diz que a negociação estratégica é uma das competências fundamentais para os líderes ascenderem nas carreiras.

“Eles vivenciam essa capacidade, diariamente, nas interações com equipes, pares, clientes, fornecedores e concorrentes”, diz. “Para atingir êxito, é preciso ter claro o contexto da situação e os perfis dos negociadores.”

Investir em um planejamento antes da transação é um dos primeiros passos, comenta. “É o momento de identificar formas de explorar oportunidades e as ameaças que vão precisar de opções”, explica.

Cláudio Felisoni, coordenador do curso de técnicas de negociação da FIA Business School, concorda com a professora do Insper. “Se você falhar em se planejar, está planejando falhar”, diz o também presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), citando Benjamin Franklin (1706-1790), considerado um dos fundadores dos Estados Unidos. O planejamento deve colher o máximo de dados sobre os interlocutores, lembra.

“[Durante o diálogo,] estabeleça um tom positivo, crie um ambiente propício para a negociação, com uma abordagem respeitosa”, orienta. “Há um problema a ser solucionado, que somente será equacionado por meio da interação das pessoas.”

Conquistas sob medida

Juan Carlos Gozzer, sócio e CEO para a América Latina da LLYC, multinacional de marketing e assuntos corporativos há 30 anos no mercado, lembra que negociar implica em ceder, mas com ganhos em conjunto. “A negociação só será bem-sucedida quando as partes sentem que ganharam ou perderam em medidas similares”, diz.

O executivo orienta que é indicado identificar os pontos de conflitos que podem ser resolvidos facilmente daqueles classificados como “deal breakers” ou que levam a uma quebra de acordo. “Essa atitude é relevante para criar uma dinâmica de ‘micro consensos’ que permita, posteriormente, enfrentar questões complexas em um contexto mais positivo”, sugere.

Gozzer, que nasceu na Colômbia e cresceu no Brasil, diz que não se deve comemorar o fim das deliberações antes da hora. “Toda negociação pode ‘cair’ a qualquer momento”, avisa o gestor, na LLYC há 15 anos. “Nunca se deve dar por feito um negócio antes do contrato assinado.”

Para o CEO, que em maio fechou a aquisição da agência de relações públicas Dattis, da Colômbia, as tratativas são exercícios de paciência que demandam doses de racionalidade. “São operações dinâmicas e muito mais difíceis do que parecem, com uma tendência muito alta ao fracasso”, explica. “É crítico saber lidar com a frustração ao longo do processo.”

Flexibilidade compartilhada

Marina Fontoura, CEO do Ibmec, aposta em recursos como flexibilidade e fácil adaptação para destravar empecilhos. “Muitas vezes, a solução está em pensar fora da caixa e encontrar opções que beneficiem a todos”, ressalta. Fizemos uma negociação para lançar um novo curso com um parceiro e a ideia inicial era dividir as despesas igualmente, relata.

“No entanto, durante as conversas, percebemos que, para nós, devido à infraestrutura que tínhamos, seria mais barato arcar com os custos da plataforma, tecnologia e atendimento, enquanto para o parceiro, que possuía uma base de clientes-alvo para o curso, era mais vantajoso assumir as contas de marketing”, detalha. “O rearranjo de atribuições permitiu fechar o negócio de forma mais vantajosa para os dois lados.”

Rodrigo Lang, co-fundador da Human SA, grupo educacional de cursos em áreas como negociação e liderança humanizada, afirma que fazer a primeira proposta na reunião, antes do “oponente”, pode garantir alguma vantagem. Dá um poder de “ancoragem” ao trato, diz.

Rapidez e assertividade precisam ser levadas em conta, acrescenta. “É comum demorarmos a propor o encerramento da conversa, deixando-a se prolongar por muito tempo”, afirma.

Como garantir uma boa negociação

O que fazer

  • Estudar a empresa e o perfil dos executivos com quem vai conversar
  • Estabelecer um relacionamento pessoal antes do acordo para reduzir a tensão
  • Recorrer à transparência: ela constrói confiança
  • Mostrar flexibilidade: essa atitude indica disposição para soluções criativas
  • Permitir concessões, mas sem comprometer os objetivos principais da proposta

O que não fazer

  • Subestimar a outra parte; a arrogância pode comprometer relações futuras
  • Manter uma postura inflexível: isso pode levar a impasses sucessivos ou ao fracasso do acordo
  • Ignorar os objetivos à frente; deve-se entrar na conversa com clareza sobre os resultados possíveis
  • Demorar muito tempo para “fechar” o contrato
  • Não ter um plano B ou outro parceiro para recorrer, caso as tratativas não avancem

 

Fonte: Valor Econômico
Foto: Canva

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