Pandemia leva presidentes a refletirem sobre suas habilidades

20-10-2021 | Estratégia, Notícias

Em pesquisa, 78% dizem ser importante analisar seu estilo de gestão

Ao exigir uma tomada de decisão mais rápida ao mesmo tempo em que trouxe um leque de dilemas, a pandemia levou os CEOs a refletirem sobre qual é o seu papel nas organizações e se possuem as habilidades certas para dar conta dos novos desafios nos negócios e na gestão de pessoas. Uma pesquisa realizada recentemente pela consultoria Egon Zehnder e obtida pelo Valor indica que 78% dos CEOs ouvidos acham essencial refletir sobre seu próprio estilo de liderança após a covid-19. “A crise acentuou a velocidade das mudanças e os CEOs ficaram no centro das atenções sendo bombardeados por tudo que é pergunta: ‘Vamos ficar em casa até quando?’ ‘Vamos obrigar as pessoas a tomarem vacina?’ E não dava para responder a isso sendo aquele CEO super-herói, que se mostrava sem defeitos ou dúvidas”, diz Luis Giolo, colíder da prática de sucessão de CEOs e conselhos da Egon Zehnder. Ele lembra que há três anos, citando a edição anterior da pesquisa, o percentual de CEOs que relataram a necessidade de refletir sobre a forma como lideravam era de cerca de 65%. A edição atual ouviu 927 CEOs de 15 países – sendo 52 brasileiros e 54% do total de empresas com faturamento superior a US$ 1 bilhão.

“A minha geração foi treinada ao longo da vida para buscar o ganho da produtividade e da eficiência, a alterar modelos para maximizar resultados, a olhar para dentro da ‘cerca’ ou do ‘muro’ da empresa”, avalia Walter Schalka, presidente da Suzano. “Mas vemos nos últimos anos algo que se acentuou desde o início da pandemia, que os líderes precisarão ser cada vez mais ambidestros. São e serão desafiados a buscarem os resultados e, ao mesmo tempo, a ter uma gestão mais humanizada.”

Esse novo estilo de liderança, afirma Schalka, exigirá que CEOs aumentem a quantidade e a qualidade da comunicação, dediquem-se a mais horas ao letramento em temas que permeiam as organizações e destinem mais tempo para engajar propósitos e objetivos de longo prazo. Ele também fala na necessidade de um perfil de líder, no qual se inclui, “com consciência de que também deve lidar com questões estruturais da sociedade”, como a mudança climática e a busca por uma sociedade mais justa.

Rodrigo Galindo, CEO da Cogna, concorda que a pandemia mudou o perfil dos líderes. “Atributos como liderança inspiradora, empatia, senso de coletividade e senso de propósito ganharam proeminência.” Galindo diz que ao longo desta crise, na qual precisou realizar “o maior turnaround da história da empresa”, foi preciso desenvolver internamente o que ele chama de “autonomia com alinhamento” na liderança. Ele passou a “priorizar aspectos mais relacionais, dar mais foco à empatia e a se preocupar mais com o bem-estar das pessoas fora do ambiente de trabalho”.

Uma análise de respostas abertas da pesquisa da Egon Zehnder mostra que quase 500 CEOs, mais da metade de todos os entrevistados, veem as capacidades relacionais como um ponto cego crucial. “Entre os principais feedbacks que eles relataram receber sobre seu ‘calcanhar de Aquiles’ no estilo de liderar, estão falta de empatia, comunicação fraca e não escuta”, diz Giolo.

No banco Bmg, a executiva Ana Karina Bortoni Dias assumiu como CEO logo no começo da pandemia e precisou aprender rapidamente como diversificar a forma de se comunicar para chegar a todos os funcionários no home office. “Fizemos um programa ao vivo com a liderança, mas identificamos diversos meios de ouvir as pessoas, inclusive através de uma página no Instagram só para os funcionários. Também passei a fazer um café da manhã quinzenal com até 15 funcionários sobre determinado tema, como uma forma de ouvir sem filtro e pegar o termômetro do que está ocorrendo no banco.” Ela diz que aprendeu que, independentemente do modelo de trabalho adotado daqui para frente, o que faz a diferença é “ouvir as pessoas” – e não intuir o que é melhor para elas.

No geral, quase 80% dos CEOs entrevistados concordam fortemente que precisam continuar sua autotransformação. “Eles perceberam que ou mudam ou sua empresa não vai mudar para dar conta dos desafios. E muitos estão vendo como fazer isso através de saídas como coach e terapia, até pedindo mais feedback: para o time, o conselho e colegas”, diz Giolo.

Na Lojas Marisa, o CEO Marcelo Pimentel diz que sessões de terapia semanais o ajudaram a ter a consciência de que “precisava estar bem para liderar o time” e estabeleceu uma rotina de exercícios, rigor com a alimentação e mudou a forma como organiza sua agenda. “Eu risquei tudo que não era crítico para ter tempo de conversar com os times e adaptar as novas demandas à medida que surgiam.” A adaptabilidade e humildade para aprender, defende, são as principais competências dos CEOs no pós-pandemia. Em muitos momentos, incluindo meses de lojas fechadas, Pimentel diz que sentiu as equipes o olhando como passageiros que odeiam voar e reparam se há alguma tensão aparente no comportamento dos comissários de bordo. “As pessoas buscavam segurança na liderança e o que fiz foi ser transparente, honesto e tentar transmitir com clareza o que precisava naquele momento.

O alinhamento com equipes foi um ponto crítico citado na pesquisa, com menos da metade dos CEOs (46%) relatando que se sentem totalmente alinhados com suas equipes e menos de 40% afirmaram estar bem alinhados com seus conselhos. Outro ponto da pesquisa que chama atenção envolve as métricas pelas quais os CEOs são cobrados. Dois terços relatam que as métricas finais que orientam suas decisões permaneceram constantes, a despeito da ascensão da agenda ESG na pandemia. Em um ranking sobre métricas que orientam suas decisões diárias, o aspecto financeiro (de rentabilidade ao valor da ação) foi o primeiro listado, em ordem de importância. Questões ESG (diversidade, diminuição das emissões, direitos humanos e ativismo social) figuram na última posição, de seis elencadas. “Os CEOs são bem claros na pesquisa afirmando que métricas financeiras continuam dominantes”, diz Giolo.

A CEO Ana Karina Bortoni Dias diz que os indicadores pelas quais é cobrada hoje no Bmg são operacionais, financeiros e de qualidade ao cliente relacionados à transformação digital que o banco vivencia. “Neste momento, estamos desenhando com o conselho para que principais temas ESG virem métricas para entrar em 2022.”

Na Lojas Marisa, Pimentel diz que as métricas numéricas são ainda mais relevantes no negócio e que a incorporação mais recente envolveu a medição da experiência do cliente. “Estamos em uma transição desses indicadores, mas nossa cultura já cobra dos executivos essa visão de inclusão, principalmente em tudo que diz respeito à promoção feminina e apoio à mulher na sociedade.”

Galindo diz que a Cogna ampliou a transparência de seus principais indicadores no relatório trimestral e criou três grupos de trabalho – um para cada pilar ESG – para revisar políticas. “Até o final do ano divulgaremos as metas e compromissos públicos que serão assumidos na estratégia ESG.”

Já Schalka diz que a Suzano tem um conjunto de 14 metas de longo prazo, que “mostram como a agenda ESG é incorporada de forma sistêmica em nossas decisões e em nosso dia a dia, seja no olhar com as comunidades, no cuidado ambiental, ou nas perspectivas de expansão de negócios”. De mais recente nesse sentido, ele cita a realização de operações de sustainability-linked bonds (SLB) no mercado internacional, garantindo que a estrutura de capital esteja “ainda mais alinhada às ambições de sustentabilidade da empresa”. Em sua visão, a pandemia mostrou que as principais questões estruturais atuais são desafios coletivos e precisam envolver empresas, governo e sociedade. “Que esse olhar colaborativo seja o grande legado que conquistamos durante a pandemia.”

 

Fonte: Valor Econômico

Foto: Divulgação

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