Chega um momento na vida em que a gente olha para trás e vê claramente que, a despeito do tanto que se estudou na teoria, foram as experiências práticas que nos trouxeram os maiores aprendizados. Comigo não foi diferente e tenho pensado muito sobre a importância de compartilhar o que compreendi ao longo do tempo. Foi assim que surgiu este artigo, ou esta carta aberta a novos empreendedores.
Há exatos 15 anos li o célebre livro de Jim Collins: “Como as gigantes caem”. O autor é um renomado consultor de gestão de grandes empresas e considerado um dos maiores especialistas do mundo corporativo, que surpreendeu ao traçar um panorama pouco comum, analisando histórias de fracasso, em vez de casos de sucesso.
Naquele momento em que iniciei a leitura, eu era um jovem empreendedor arrogante pelo êxito da minha empresa, que em três anos havia crescido cerca de 300%. Um pouco de sorte, um pouco de visão e muita coragem de um cara com apenas 27 anos, que assumiu uma empresa familiar e surfou no bom momento de um mercado específico, conseguindo transformar em grande uma empresa pequena e familiar.
Apesar do esforço para tentar organizar a empresa, devido ao crescimento exponencial não foi possível que a organização acompanhasse o desenvolvimento do negócio. Tentei conduzir todo o processo passando por cada capítulo do livro de Collins, entretanto, por mais que fizéssemos os ajustes necessários, não conseguimos reverter a queda.
Para além dos problemas internos, surgiu a crise econômica mundial de 2008, também conhecida como Crise do Subprime, que foi a maior do sistema financeiro pós-moderno. Foi a pá de cal. Minha empresa morreu e eu me senti um fracassado. Mas… Como tudo na vida passa – e como sempre procurei usar os meus erros para aprimorar o meu desenvolvimento pessoal e profissional -, decidi reler o livro, agora com uma outra visão e com o ego controlado.
Pois bem. A obra de Jim Collins traz reflexões importantes, como por exemplo: o declínio pode ser percebido e evitado com antecedência? O que aconteceu na empresa para o declínio se tornar visível? O que foi feito quando a queda iniciou? Até onde pode falhar uma companhia antes que o caminho se torne inevitável? As empresas podem reverter esse trajeto?
O trabalho de pesquisa do autor – que resultou no livro – revelou cinco estágios de declínio, que abordarei a seguir. Chamo a atenção de todos os empreendedores para o fato de que essas fases foram experimentadas por grandes empresas no caminho entre o sucesso e o ostracismo, pois se os líderes as compreenderem, poderão reduzir substancialmente suas chances de fracasso.
Antes de caminharmos pelos estágios, entretanto, vale lembrar um ensinamento de Nassim Taleb, um dos maiores especialistas no estudo das probabilidades e incertezas e megainvestidor do mercado financeiro: “decidir o que não fazer é tão importante quanto decidir o que fazer” (frase também atribuída a Steve Jobs, que dispensa apresentações). É com essa visão que seguiremos a partir daqui.
Estágio 1 – O excesso de confiança proveniente do sucesso
Na maioria das vezes o sucesso gera arrogância. Sabe aquele momento em que você começa a acreditar que é mais inteligente do que os outros e que todos os negócios em que você entrar serão bem-sucedidos? Usando o meme da moda, “é raro, mas acontece (e muito)”… E aí, o que fazer?
Sugiro que sempre que começar a se achar mais esperto do que todo mundo você pare e reflita. Isso é um fato incontestável? Sou realmente um gênio, sei o que ninguém sabe, criei algo único, diferenciado mesmo, ou existe alguma possibilidade, por menor que seja, de estar fantasiando?
Procure ouvir outras pessoas, buscar outras referências e experiências. Reavalie todos os projetos, riscos e gastos, de forma realista. Otimismo é importante, mas pode acreditar: no mundo dos negócios, se houver chance de dar errado, vai dar.
Estágio 2 – A indisciplinada busca por mais e Estágio 3 – A negação de riscos e perigos
O excesso de confiança vai te levar para a segunda fase, que é a corrida por mais e mais projetos. Você vai perder o medo e vai começar a arriscar além do que deveria. Daí para a fase 3 é um pulo, porque quando temos muita certeza e nos envolvemos em diferentes projetos ao mesmo tempo, normalmente diminuímos a sensibilidade e negligenciamos a análise de riscos. Abrimos várias frentes, em geral sem o devido preparo. Queimamos caixa de planos potencialmente rentáveis com ideias menos promissoras. Nesse cenário, as chances de encontrarmos problemas aumentam consideravelmente. A decadência bate à porta.
Estágio 4 – A luta desesperada pela salvação
Nessa fase você já está todo enrolado com a confusão que se tornou o seu negócio! A essa altura o projeto que era bom já foi contaminado pelos problemas de ordens diversas e quando a ficha cair irá bater o desespero.
Esse será o momento crucial: ou você vai aceitar que fez tudo errado, cortar na carne para tentar salvar a empresa e recolocá-la nos trilhos, cessando com as atuações marginais, ou se insistir em manter todas as frentes abertas – muitas vezes por ego – você vai experimentar rapidamente a próxima fase, que é a derradeira.
Estágio 5 – A entrega à irrelevância ou a morte
Quando não há muito mais o que fazer: uma empresa que poderia ser gigante torna-se irrelevante e vai acabar como pequena e desconhecida, ou mesmo desaparecer por completo.
A principal conclusão de Collins é que não importa o quão bem-sucedida uma empresa é: ela sempre pode cair e, em alguns casos, morrer. Daí a importância de os empreendedores estarem sempre atentos, especialmente para identificar as fases 1 a 3 (saber o que não fazer, lembram?). A boa notícia é que mesmo empresas em estágio avançado de decadência podem se recuperar.
Particularmente vejo que, por mais que um empreendedor tenha estudado, poucos estão preparados para um crescimento exponencial sem o acompanhamento de um mentor, consultor ou mesmo de um sócio que tenha passado por situações similares e que saiba lidar com esse crescimento abrupto.
É inegável que cada vez há mais informações disponíveis sobre como fazer a gestão de uma empresa, mas a teoria nunca vai substituir o apoio prático de uma consultoria externa especializada, com quem o empresário possa dividir suas dúvidas, compartilhar dores do negócio e receber orientações. É o famoso “quem vê de fora, vê melhor”. E a união faz a força, sempre.
Aurélio Zorzi é empresário, com experiência de 23 anos na área de Gestão. Graduado em Administração pela Universidade Veiga de Almeida, com MBA em Gestão e Desenvolvimento Empresarial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-graduando em Gestão Comercial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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