Se eu não posso medir… não existe? Métricas e dilemas em ESG

30-11-2023 | Notícias

Há um debate constante na academia e nas organizações sobre a necessidade de medir as coisas. Não é incomum ouvirmos a frase “se você não pode medir algo é porque não existe”. Não sabemos o que as pessoas que dizem isso pensam sobre o amor, a vida ou o valor de uma pessoa. Entretanto, precisamos reconhecer que essa é a visão prevalente. Não é difícil entender o fascínio ao redor de métricas quantificáveis. Peter Drucker é comumente citado pela frase: “Se não pode medir, não pode gerenciar”. Assim, essa mentalidade permeia organizações, consultores e pesquisadores. Vamos aos problemas que ela traz para ESG.

O primeiro é de origem prática: apesar de algumas variáveis serem fáceis de medir, outras não são. Na academia, as chamamos de “Construtos”, ou seja, variáveis latentes, não observáveis. Como elas não podem ser medidas diretamente, utilizamos aproximações. Por exemplo, para medir o esforço de sustentabilidade de uma empresa, utilizamos como proxy o investimento dessa empresa em iniciativas ligadas à sustentabilidade. O problema é que muitas vezes as medidas estão muito distantes do que queremos medir e perdemos a capacidade de realmente compreender o fenômeno.

Ao direcionar o foco para atender métricas quantitativas de desempenho de ESG, muitas organizações negligenciam inadvertidamente o bem-estar social amplo e vice-versa, estabelecendo um dilema. Tomemos a Tesla como exemplo. A empresa tem como missão “Acelerar a transição mundial para a energia sustentável”, sendo pioneira em inovações nos ecossistemas de mobilidade e energia. Ela tem feito isso não apenas fabricando baterias, veículos elétricos, painéis solares e software, mas também criando um ímpeto que influenciou gigantes como Volkswagen, Ford e Chevrolet. Considerando seu impacto, é de se esperar que a empresa detenha excelentes métricas de ESG, certo? No entanto, em junho deste ano, Elon Musk, CEO da Tesla, se referiu ao ESG como “o diabo” na plataforma X (antigo Twitter). Isso porque empresas de tabaco obtiveram melhores classificações que a Tesla nas métricas de ESG. E isso ocorreu não apenas para o tabaco. Empresas de petróleo e gás, grandes emissoras de gases de efeito estufa, também superam a Tesla.

O segundo problema é de origem ética: muitas vezes, no afã de gerar indicadores mensuráveis para o mercado, abrimos espaço para comportamentos oportunistas de indivíduos que operam dentro das regras do sistema para gerar números bonitos, mas que acabam tendo muito pouco a ver com sua real prática ou motivação.

Aswath Damodaran, professor da Stern School of Business da NYU, categorizou ESG como um “hype”. Ele destaca uma grande divergência nas avaliações de diferentes agências classificadoras, o que indica falta de consenso sobre o que é verdadeiramente importante para a sociedade. Além disso, embora exista alguma evidência de correlação entre ESG e lucratividade, ela não parece ser forte. Sabemos que correlação não significa causalidade e, dada essa ambiguidade, ele questiona: as empresas têm bom desempenho porque fazem o bem ou fazem o bem porque estão em posição de fazê-lo mais facilmente devido a sua posição financeira?

Enquadrar o problema ao redor da priorização do lucro versus sustentabilidade pode não ser produtivo já que, no curto prazo, o lucro geralmente prevalece. Muitas vezes, pensar eticamente é tão simples quanto pensar também no médio e no longo prazo, além de trazer as perspectivas de todos os stakeholders para a questão. Podemos dizer que um pensamento mais abrangente do ponto de vista temporal e espacial é também mais ético.

O cenário mais benéfico para a sociedade, propósito final do ESG, exige uma forte base de confiança, fé e liderança visionária. Ele incorpora um compromisso coletivo com um objetivo de longo prazo, buscando que as empresas coexistam harmoniosamente com a sociedade e o meio ambiente. E já fizemos isso antes! Há pouco mais de 30 anos, reguladores, comunidade acadêmica, organizações e sociedade civil se uniram de forma inédita contra a ameaça catastrófica da depleção da camada de ozônio causada pelos gases CFC, comumente empregados em aparelhos de ar-condicionado, freezers e aerossóis. Nesta empreitada, quem ganhou foi todo o planeta Terra e atualmente a camada de ozônio encontra-se em recuperação. Mesmo que a magnitude da mudança que a nossa sociedade demanda atualmente seja muito maior, fica um aprendizado e a inspiração.

Medir é importante, mas não é tudo. Não podemos deixar a ilusão de certeza gerada por indicadores bonitos se tornar mais do que ela é. A ciência existe para nos ajudar a controlar e prever, é verdade, mas também para proporcionar uma visão crítica sobre a realidade à nossa volta. Portanto, fica a sugestão de que nos concentremos em fazer o que é ético e correto, adotando a verdadeira filosofia do ESG. Afinal, podemos nos dar ao luxo de métricas incertas, mas não sobre o futuro do nosso planeta e da nossa sociedade.

Fonte: Valor Econômico

Foto: Canva

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